"NÃO FOI APENAS A DÉBORA QUE FOI PRESA, FOI TODA A NOSSA FAMÍLIA"

"No momento da prisão da Débora, todos nós estávamos totalmente fragilizados, sem saber a quem recorrer. Meus sobrinhos, ainda tão pequenos, não compreendiam por que a mãe havia sido retirada de casa de forma tão brutal. Foi um processo extremamente doloroso, agravado por noites mal dormidas, choro e crises de ansiedade. Buscamos apoio psicológico semanal, mas tínhamos consciência de que nada substituiria a presença de uma mãe".

Marcello D'Victor

10/2/20254 min read

A prisão preventiva, medida que deveria ser exceção, tem se transformado em um mecanismo de dor e destruição para muitas famílias brasileiras. O caso de Débora, uma cabeleireira adventista de Paulínia, ilustra de forma pungente como decisões judiciais marcadas pela parcialidade podem desestruturar lares inteiros e violar direitos fundamentais.

Por mais de 500 dias, Débora permaneceu encarcerada sem julgamento definitivo, acusada por participação nos atos de 8 de janeiro em Brasília. Seu gesto impulsivo – escrever com batom lavável em um monumento – foi inflado a proporções desumanas, gerando uma condenação simbólica que não atingiu apenas a ela, mas também sua mãe, seus filhos pequenos e toda a sua família.

Neste especial, conversamos com Cláudia Rodrigues, irmã de Débora Rodrigues, atualmente presa de forma injusta, sendo esta inocente, cumprindo pena abusiva, que narra com dor e fé os impactos devastadores da prisão sobre sua mãe idosa, seus sobrinhos de apenas 7 e 10 anos, e a própria integridade da família. O relato cruza dimensões jurídicas, emocionais e sociais, evocando princípios constitucionais e convenções internacionais de direitos humanos.

A seguir, publicamos trechos da entrevista exclusiva.

1 – Sobre o impacto na mãe

Pergunta: Cláudia, ao longo desses quase três anos de angústia familiar, como a ausência prolongada de Débora tem corroído o tecido emocional da sua mãe, que passa noites em claro sonhando com a filha, ecoando o que John Stuart Mill descrevia em Sobre a Liberdade como a tirania do silêncio imposto às vozes inocentes, e o que isso revela sobre a dor invisível de uma família devota como a de vocês, guiada pela fé adventista?
Resposta: A prisão da Débora foi, sem dúvidas, um dos momentos mais difíceis que já enfrentamos. Somos uma família alicerçada em uma fé cristã, mas isso não nos poupou de sofrimentos e até de desespero em diversos momentos. Minha mãe, uma senhora de 73 anos, foi forçada a compreender que sua filha estava em uma prisão, acusada de crimes que jamais cometeu, tendo como única força clamar a Deus por justiça do céu, pois a justiça da terra estava totalmente corrompida.

2 – O trauma dos sobrinhos

Pergunta: Você, que carrega o peso de ser a âncora para os sobrinhos de 7 e 10 anos, pode compartilhar como as terapias semanais deles, marcadas por choros intermináveis nas visitas ao presídio de Rio Claro, violam não só o artigo 227 da Constituição Brasileira, mas também decisões da Corte Interamericana?
Resposta: No momento da prisão da Débora, todos nós estávamos totalmente fragilizados, sem saber a quem recorrer. Meus sobrinhos, ainda tão pequenos, não compreendiam por que a mãe havia sido retirada de casa de forma tão brutal. Foi um processo extremamente doloroso, agravado por noites mal dormidas, choro e crises de ansiedade. Buscamos apoio psicológico semanal, mas tínhamos consciência de que nada substituiria a presença de uma mãe.

3 – A pressão social e a mídia

Pergunta: Em meio à hostilidade de populares, influenciados por narrativas enviesadas, como a família lida com essa pressão social?
Resposta: Acompanhávamos atentamente as notícias e víamos comentários como “terrorista” e “golpista”, que nos feriam profundamente. Mas sabíamos que nada daquilo era verdade, nem definia o caráter da Débora. Ela sempre foi uma mulher íntegra, que ama o Brasil, e apenas exercia o direito de livre manifestação.

4 – As despedidas no presídio

Pergunta: Como as despedidas dilacerantes no portão do presídio expõem o abuso da prisão preventiva?
Resposta: Cada visita era marcada por dor e revolta. As crianças, aos prantos, pediam para não voltar sem a mãe. Isso poderia ter sido evitado se a justiça tivesse aplicado o direito à prisão domiciliar, como previsto no artigo 318 do CPP. Vimos, inclusive, casos de privilégios concedidos a condenados por corrupção, o que nos faz duvidar da imparcialidade da justiça brasileira.

5 – O arrependimento e a desproporção da pena

Pergunta: Débora se arrepende do ato impulsivo, mas como essa detenção prolongada fere o princípio da presunção de inocência?
Resposta: Refiro-me apenas ao arrependimento pela escrita no monumento. O ato foi impensado, mas não pode justificar prisão imediata sem provas ou julgamento. Essas prisões seguiram um rito enviesado e político.

6 – O lar como santuário de ausência

Pergunta: Como a saudade crônica dos filhos revela a violação ao direito à convivência familiar?
Resposta: As crianças sonhavam diariamente com a volta da mãe. Planejávamos viagens, idas ao mercado, coisas simples que toda família faz. Mesmo após sua saída do presídio, esses sonhos ainda não puderam ser realizados devido às rígidas medidas da prisão domiciliar.

7 – A exposição pública e ameaças

Pergunta: Como lidar com ameaças e o isolamento carcerário?
Resposta: É muito difícil, mas nossa fé nos sustenta. Além disso, recebemos carinho e apoio de muitas pessoas no Brasil e até de outros países, o que nos dá forças para seguir.

8 – O impacto psicológico contínuo

Pergunta: Como o trauma dos sobrinhos se manifesta até hoje?
Resposta: As terapias foram essenciais, mas nada apagará o trauma. As crianças ainda enfrentam reflexos desse afastamento abrupto. Tentamos recomeçar com apoio psicológico, espiritual e muito amor.

9 – Hostilidade dentro do presídio

Pergunta: Como foram os episódios de hostilidade interna?
Resposta: Débora sofreu com comentários maldosos de detentas e até de funcionários, além de punições desnecessárias. Isso a deixava amedrontada.

10 – A prisão domiciliar e a reconstrução

Pergunta: Como foi receber a notícia da prisão domiciliar e reconstruir a vida?
Resposta: Foi um dia de grande alegria. Choramos, sorrimos e agradecemos a Deus. Hoje buscamos dar todo o suporte possível a Débora e seus filhos. Ela sabe que o tempo perdido não volta, mas está determinada a viver intensamente cada momento daqui para frente.

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